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As cidades são uma tentativa do ser humano de refazer o mundo de acordo com suas necessidades, seus desejos. Estamos, no entanto, condenados a viver neste mundo que criamos. Os centros urbanos são registros históricos em constante mudança, tornando-se o reflexo nítido das relações e desigualdades sociais com que convivemos. Além de ser um reflexo, o ambiente urbano reafirma e reproduz estas relações e conflitos. É essencial entender o ambiente construído e seu papel social ativo para avaliar a maneira como devemos propor mudanças que o refaçam de acordo com os nossos sonhos.


Somos um país de contrastes culturais, sociais, políticos. A “exclusão” é protagonista no desenvolvimento da cidade: enquanto parte do solo urbano cresce sob as leis e planejamento, outra parte, de área significativa, é construída pelos próprios moradores através da ocupação irregular do solo, muitas vezes ambientalmente frágil, em áreas de risco ou pela aquisição de loteamentos ilegais. Ignorada pela cidade formal, o processo de construção da cidade ilegal não envolve profissionais técnicos e não observa a legislação nem as normas urbanísticas. 


A cidade ilegal sustenta e é sustentada pela cidade formal, uma não existe sem a outra. A ação do poder público sobre a cidade ilegal, muitas vezes, não é baseada em princípios como o direito e a cidadania, mas em relações de favorecimento e assistencialismo. Se por um lado este contexto é funcional para fins políticos e para o mercado imobiliário, por outro ela é amplamente desfavorável para parte da população que necessita de relações mais democráticas e igualitárias.
O Brasil tem passado por grandes transformações. O êxodo para as cidades é motivado, entre outras coisas, pelo descaso com a questão da terra no país, que somado à falta de investimento em infra-estrutura tem gerado um cenário de crise urbana. No campo, os movimentos sociais apresentam pautas de luta contra a destruição dos seus meios de subsistência e modos de vida. No espaço urbano, reivindicam terras urbanizadas para garantir seu acesso à cidade. A disputa e o conflito de interesses aumentam com megaeventos, agravando problemas, como podemos notar com as remoções de milhares de pessoas em cidades-sede da Copa do Mundo de 2014.


Convivemos com os problemas urbanos gerados através de anos de desenvolvimento excludente (ou perversamente includente), que aumenta a desigualdade social, a degradação ambiental, a violência urbana, a informalidade, gerando serviços públicos de má qualidade e espaços urbanos desqualificados tanto na cidade formal quanto na cidade informal. 


Nas palavras de Sérgio Ferro "a análise da arquitetura como produto da economia política pode revelar dimensões ocultas da sociedade. E que a transformação da arquitetura exige a transformação da sociedade". Poderíamos completar: a transformação da sociedade requer a nossa própria transformação.


Considerando a questão de que o tipo de cidade que é construída depende do tipo de pessoa que queremos ser, então ao deixarmos de discutir essa relação teremos abandonado a construção das cidades para os requisitos do sistema econômico vigente, a um elevado custo social.


A compreensão do contexto econômico, social, cultural e espacial no qual se inserem as relações de produção arquitetônica possibilita a formação de arquitetos e urbanistas cientes da necessidade de desenhar, projetar e construir em conjunto com as comunidades. Por isso o canteiro apresenta-se como um momento essencial de aprendizado, pesquisa e criação que deve envolver todos os produtores, um lugar onde teoria e prática se encontram, resultando em práticas transformadoras. O momento da produção assusta, seja pela diversidade de relações sociais e conflitos que contém, seja pelas possibilidades de transformação que ela potencializa. É através da aplicação do conhecimento, do saber-fazer, que nossas convenções formais podem se alterar com pertinência.

O SeNEMAU, para além de um espaço dos Escritórios Modelo de Arquitetura, pretende ser um espaço aberto de contínua descoberta da cidade como reflexo de nós mesmos, de experimentação e confluência entre teoria e prática transformadora. O desafio do fazer arquitetônico que construa uma sociedade mais igualitária e democrática é também o desafio de conduzir o processo produtivo de forma autônoma, ao valorizar e trabalhar em conjunto com a cultura arquitetônica da população, unindo pedagogia e produção.

Para isso é fundamental que os projetos de cidade sejam frutos da produção junto às comunidades e com tecnologias apropriadas ao processo coletivo. O canteiro deve se tornar um espaço de trocas e desenvolvimento de conhecimento e, o mais importante, da apropriação da produção pelos participantes. E como disse Robert Park: “E assim, indiretamente e sem nenhuma clara ideia da natureza de sua tarefa, ao fazer a cidade, o ser humano refaz a si mesmo.”

 

                                                                                            

 

Esse texto faz referência aos seguintes textos:

 

ARANTES, Pedro. Arquitetura Nova.
ARTIGAS, João Batista Vilanova. Caminhos da arquitetura.
FERRO, Sérgio. A História da Arquitetura Vista do Canteiro.
HARVEY, David. A Liberdade da Cidade. Cidades Rebeldes.
KAPP, Silke. Heteronomia Autonomia Arquitetura.
MARICATO, Ermínia. As idéias fora do lugar e o lugar fora das idéias.
MARICATO, Ermínia. É a questão urbana, estúpido!, Cidades Rebeldes.
VAINER, Carlos. Quando a cidade vai às ruas. Cidades Rebeldes.

Além do próprio POEMA (Projeto de Orientação a Escritórios Modelo de Arquitetura e Urbanismo). 

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